terça-feira, 14 de dezembro de 2010

seré amado cuando falte

Javier Marías sabe contar e inventar histórias (como poucos, não me canso de recomendá-lo), mas também sabe observar o mundo real e interpretá-lo. Bem sabemos que a literatura pode salvar - e também condenar - um sujeito. Marías é um legítimo "antena da raça", como dizia Erza Pound dos poetas geniais, que antecipam uma forma, uma voz, um ritmo, um conceito. Suas crônicas têm algo da conversação erudita, mas sem pedantismos, e também da conversação informal, mas sem bravatas, já que ele argumenta justamente para levar o leitor a pensar e não para marcar pontos mentais, não para vencer algum debate de mesa de bar. "Seré amado cuando falte" reúne 104 crônicas publicadas em jornal no período que vai de dezembro de 1996 a novembro de 1998. São crônicas antigas, mas a grande maioria delas não perderam o vigor, pois ele fala de temas que são perenes, mesmo transportando-os para o Brasil que inicia a segunda década do século XXI. De certa forma a Espanha do final dos anos 1990, descrita e comentada por Marías, tem algo com este Brasil ufano dos últimos anos, onde qualquer paspalho, orgulhoso de nunca ler jornais ou abrir um livro sério, arrota que o Brasil é uma potência, que a Europa e os Estados Unidos vão se curvar ao jeito brasileiro de ser. Quem acompanha as cousas da Espanha sabe dos problemas econômicos e sociais que tem passado após uns bons anos de felicidade geral. Como é fácil ser tolo. Bueno, Javier Marías sabe ser ranzinza, mas pontua, com muita ironia e precisão, os temas que lhe cabem: a literatura e a arte, a política e as relações entre as pessoas. Sempre me surpreendo com sua coragem e honestidade intelectual. Como magistral ficcionista que é seu texto transborda invenção, descobertas linguísticas, histórias que enriquecem e deleitam o leitor. São poucos os articulistas e escritores brasileiros de nosso tempo que mantêm tal equilíbrio e qualidade entre sua produção ficcional (seus romances principalmente) e sua produção factual (suas crônicas). Que sujeito! E ainda me cabe o registro de que graças aos serviços eficientíssimos do Abebooks haverá muitos Marías por aqui no ano que vem. Vale. [início 16/11/2010 - fim 13/12/2010]
"Seré amado cuando falte", Javier Marías, editora Alfaguara, 1a. edição (1999), capa-dura 14x22,5 cm, 345 págs. ISBN: 84-204-4188-0

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