terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

estação das chuvas

Podemos nos divertir, educar ou nos assombrar com as invenções dos bons escritores (os maus escritores também tem lá sua função, mas esta é outra história). Eventualmente há livros que têm o poder acessório de nos fazer digerir a realidade sem concessões baratas. É este o caso de "Estação das chuvas", de José Eduardo Agualusa. Ele conta alegoricamente uma história de Angola, basicamente a funesta história de sua guerra de independência e das recorrentes guerras civis que seguiram-se a ela. Não importa o que há de ficção e o que há de factual no livro pois o efeito predominante é de nos proporcionar um aprendizado. O que eventualmente iremos depreender da Angola real é nosso problema, não do autor. O narrador de Agualusa é um jornalista. Ele participa destas guerras e conhece - primeiro como lenda e depois em uma prisão - uma historiadora e poetisa influente no movimento revolucionário angolano. A história que se conta, a história de Angola, se confunde com a história desta personagem, Lídia Ferreira. Ela funciona como uma força vital angolana, plena e seminal no momento da independência em 1975, mas que é sistematicamente desvitalizada, como seu país, desaparecendo em 1992. O narrador descreve o que sabe e desvenda da vida desta personagem, bem como da vida de seus amigos de infância e colegas da universidade, que alcançam maior ou menor projeção nos governos e comitês revolucionários, tanto no exílio quanto nas frentes de batalha. O narrador também se relaciona com uma galeria de curiosos personagens ativos na guerra civil. Terríveis e desgraçadas histórias Agualusa nos conta. Não há crime que fanáticos nacionalistas ou bestas coloniais (de todos os credos ou facções) não sejam capazes de cometer. Lembrei-me do Manoel, irmão da Neusa, que viveu em Angola e em Moçambique no final dos anos 1970. Lembrei-me de meu pai, que hoje completa 86 anos, e que sempre me falou das histórias africanas que lia nos jornais. O que pensarão eles da Angola de hoje, ainda assombrada por suas venturas. Há mesmo países cujo ordálio de desgraças teima em nos surpreender. Bom livro afinal de contas. [início 01/02/2011 - fim 03/02/2011]
"Estação das chuvas", José Eduardo Agualusa, Rio de Janeiro: editora Língua Geral (coleção Ponta de lança), 2a. edição, revista (2010), brochura 13x18 cm, 344 págs. ISBN: 978-85-60160-68-6 [edição original: edições Dom Quixote (Portugal) 1996]

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