sexta-feira, 26 de agosto de 2011

às avessas

Há quantos anos estou as voltas com a leitura desse livro? Certamente desde meados dos anos 1980, quando José Paulo Paes traduziu a obra-prima de Joris-Karl Huysmans e o romance foi publicado. Mas aquele exemplar ficou perdido em meio a meus guardados, esquecido. Só agora, ao encontrar esta bela edição da mesma tradução pela Penguin/companhia das letras, é que me disciplinei para enfrentá-lo. Vale dizer que várias vezes neste período don André Soares cobrou-me a leitura (é esta a função dos bons amigos, hooray!). "Às avessas" é um romance único, seminal, que inaugura e explora quase todas as possibilidades de uma forma de narrativa dedicada a registrar o tédio, a decadência, a imobilidade, a depressão, o crepúsculo de um tempo, a banalidade das ações cotidianas, a inação e inércia de algo condenado a se esgotar. É um romance que antecipa experimentalismos literários que serão utilizados no início do século XX. Quando publicou o livro Huysmans era respeitado como um disciplinado naturalista, discipulo de Zola, mas com "Às avessas" ele se alinha ao movimento simbolista, influenciado por autores como Baudelaire, Mallarmé, l'Isle Adam e Verlaine. O leitor fica simultaneamente exasperado e encantado, enfeitiçado mesmo com o livro, enebriado com as imagens criadas, perguntando-se a que propósito afinal lhe serve a trama e o cenário que o autor apresenta e descreve. Quem já leu "O retrado de Dorian Gray", de Oscar Wilde, há de se lembrar que apesar de não nominado explicitamente é "Às avessas" o livro que inspira Dorian Gray em sua escalada de vícios e corrupção. Jean Floreissas des Esseintes, o curioso personagem do romance de Huysmans, é uma espécie de esteta infernal. Após terminar seus estudos o jovem duque Des Esseintes, último membro de uma aristocrática e centenária família francesa, decide se afastar da sociedade. Ele passa a materializar um mundo de sonhos, a acumular intensas experiências literárias, botânicas, sensuais, artísticas, estéticas, musicais, como se vivesse em uma Citera, a idílica ilha dedicada aos prazeres (como aprendemos no "Flores do mal", de Baudelaire). "Às avessas" lembra "Bouvard et Pécuchet", mas Flaubert é mais irônico e sarcástico que Huysmans. Des Esseintes é um personagem aparentado ao barão de Charlus (de Proust, claro). A edição é muito especial. Além do texto e de um prefácio do autor publicado vinte anos após a edição original o livro inclui introdução e notas de um especialista (Patrick McGuinness); uma inspirada apresentação do tradutor, José Paulo Paes; uma seleção de pequenos textos críticos; uma cronologia da vida de Huysmans e uma pequena bibliografia. Que bom se todo livro tivesse uma edição tão bem cuidada assim. Qualquer sujeito que fique exasperado com a banalidade reinante de nossos dias, onde a mediocridade é moeda de troca nas relações pessoais e a hipocrisia uma espécie de máscara coletiva, há de se divertir e se inspirar com esse livro. [início 07/07/2011 - fim 26/08/2011]
"Às avessas", Joris-Karl Huysmans, tradução de José Paulo Paes, São Paulo: editora Penguin/Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 13x20 cm, 347 págs. ISBN: 978-85-63560-18-6 [edição original: À rebours, Charpentier (França), 1884]

Um comentário:

O Luzíada disse...

Descobri há pouco, muito bom, abraço M