domingo, 28 de agosto de 2011

um cartão de paris

O povo das artes organizou uma virada cultural na Casa de Cultura de Santa Maria. Acho que foi Rebeca Stumm quem os reuniu. Era mesmo um mar de gentes, uma miríade de colaboradores). Por mais de vinte e quatro horas cada um ocupou e interferiu na Casa (e também na praça Saldanha Marinho e em vários outros lugares da cidade). Cada um desenvolveu uma idéia, se expressou de um jeito, inventou algo para fazer. Doña Helga e doña Tânia decidiram organizar um ciclo de "leitura para pessoas vendadas", uma forma de chamar a atenção das atividades da Associação de Cegos que funciona regularmente na Casa. Resolvi aderir ao projeto e me escalei para ler um tanto. Na atividade o público era levado (vendado, claro) para um corredor às escuras. Uma luminária permitia que um voluntário lesse algo para os cegos temporários, para os vendados. Vários alunos da Helga participaram, levaram seus livros. Havia Eduardo Galeano e Charles Bukowski, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, Shakespeare e Isaac Singer. Levei esse "Um cartão de Paris", livro de crônicas de Rubem Braga. Passei o sábado relendo o livro, escolhendo as histórias que planejava ler. Escolhi esse livro porque havia lembrado do Antônio Carlos durante a semana. Ele morreu num agosto, o do ano passado, e era um entusiasta das coisas do Rubem Braga. Gostava particularmente do "Viver sem Mariana é impossível" (acho que uma de suas filhas se chama Mariana exatamente por conta disto). Eu retrucava que "A mulher que ia navegar" era mais definitivo. Ele falava do "Homem ao mar", eu de "As luvas". Havia muito prazer e companheirismo nessas conversas, que gravitavam música, literatura e mulheres, gastronomia, viagens e futebol. Nesse "Um cartão de Paris" encontramos 35 crônicas, selecionadas por Domício Proença Filho. Elas foram publicadas no Estado de São Paulo entre 1988 e 1990, ano em que morreu. São crônicas muito tocantes, com uma vitalidade que não está na ação, no movimento, mas na potência, naquilo que apresenta e conta ao leitor, quase num sussurro. Apesar do lirismo Rubem Braga não deixa a melancolia contaminar seu texto, ou melhor, deixa, mas não nos aborrecemos com a sinceridade, a ironia, os truques do velho bruxo. São histórias cheias de vida. Lemos cada uma delas em cinco minutos, mas elas nos enredam e permanecem conosco por tanto tempo, como um perfume que se fixa e carregamos sem nos dar conta. O livro inclui uma introdução muito boa de Domício Proença Filho, além de uma lista dos livros publicado por Braga. Li algumas das histórias para o público que participou do evento. Depois ouvi várias outras (vendado, claro). É uma experiência curiosa. Mas a tarde era do Rubem Braga e do Antônio Carlos. Sai da Casa de Cultura, caminhei sem pressa para casa, ainda com o velho Braga e o velho Nenê me assombrando. [início - fim 26/08/2011]
"Um cartão de Paris", Rubem Braga, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (1997), brochura 14x21 cm, 139 págs. ISBN: 85-01-04853-4

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