domingo, 13 de novembro de 2011

o dinheiro e as palavras

Li esse "O dinheiro e as palavras" simultaneamente ao bom "O negócio dos livros". Mas eles são livros com projetos diferentes. "O negócio dos livros" é um livro de memórias, onde Schiffrin conta seus tempos na editora Phanteon e reflete um tanto sobre como o ofício de editar e comercializar livros modificou-se nas últimas décadas. Dez anos após "O megócio dos livros", Schiffrin foca seu discurso em alternativas ao cenário terrível que apresenta logo na introdução: o controle da publicação de livros por conglomerados, a  pressão por lucros imediatos, a expansão desse conceito aos mercados inglês, francês, alemão e espanhol. Não apenas a diversidade de títulos, o preço deles e a facilidade de acesso a informações que está em risco, Schiffrin advoga que são a democracia e a liberdade que estão sob ataque sistemático dos grandes conglomerados. Ele afirma que a imprensa tem sido criminosa em não cobrir adequadamente essas questões. Bueno. Se eu tivesse de escolher um subtítulo adequado para os dois livros defenderia algo do tipo "It's the economy, stupid". Digo isso pois é a lógica onipotente da economia de mercado que explica a concentração da capacidade de editar e comercializar livros em poucos grupos e que explica o comportamento padronizado, hoje, de quase todos os agentes desse setor. Mesmo em um país com um mercado ridiculamente pequeno como o brasileiro as transformações são bastante visíveis (entrada de grandes grupos americanos e europeus no mercado, fechamento de livrarias independentes e sebos, fechamento de distribuidoras de livros, aumento da força relativa de compras - e controle - governamentais, pasteurização dos métodos e das idéias através da manipulação dos meios de divulgação, a presença perene da mídia no negócio). Talvez, mais do que dirigido àqueles envolvidos na linha de produção e comercialização dos livros (editores, publicitários, agentes, gráficos, designers, livreiros, antiquários, jornalistas) é aos escritores (ou aspirantes a escritores) que esse livro parece ser mais útil. Um escritor não pode hoje ficar encastelado em seus originais chorando a ausência de editor/mecenas (e vale lembrar que a morte da maioria deles aconteceu há uns dois séculos, mais ou menos). Ao menos para os agentes que não são cínicos e não vivem apenas de reproduzir conceitos bobos esse livro é seminal. Talvez, como no mundo todo, no Brasil haja uma glamurização excessiva ao ato de escrever, ao ofício de falar e viver dos livros, que, associada a uma condenação paranóica as forças do mercado, por conta da eventual capacidade dessas forças de impedir o acesso do público leitor às maravilhas criadas por esses escritores estóicos e abnegados, tenha tornado o negócio dos livros um setor complexo demais para ser entendido apenas pela régua do amor que muitos devotam a ele. [Me irrito com a patetice de quem defende o ato de ler, mas não lê - como legiões de políticos, notadamente no Brasil; defende o livre pensamento, mas é escravo mental de associações, partidos e empresas; defende apoio governamental, mas quer apenas dinheiro chapa branca para desviar para sua turminha. O negócio da cultura não é para estômagos sensíveis e eu sou um chato profissional, fazer o quê?] Schiffrin tem um texto muito bom e o livro é fácil de ler. Os capítulos são objetivos: qual é o papel do estado?, o caso norueguês pode ser copiado?, o exemplo do cinema é adequado?, a canibalização das livrarias é um fenômeno reversível?, o jornalismo sobrevive ao esgotamento imposto pelas redes sociais?, é possível financiar publicamente os jornais? Em algum momento ele pergunta se a rede de resenhistas pagos, assessores de imprensa, jornalistas palpiteiros, sujeitos que criam prêmios públicos e privados, blogueiros financiados e demais habitantes das redes sociais ajudam ou simplesmente confundem ainda mais os leitores sobre o valor intrínsico de um livro. Se os leitores soubessem que boa parte que é agitado nas redes sociais nada mais é que marola paga pelos grandes conglomerados talvez não se dirigisse tão rapidamente às livrarias. Tirando o fato de que não existe livre mercado nos campos da cultura e que os jovens estão sendo ensinados a desprezar os jornais como fonte de informação suas demais conclusões não são definitivas. Apesar de solidamente calcado em dados estatísticos (de até 2009) há a sensação de que o quadro ainda está incompleto. O papel dos meios digitais não está completamente entendido (nem será tão cedo, dada a aceleração do fenômeno). Essa nova mídia não foi completamente implementada, nem ainda consolidado, não alcançou hegemonia, nem tem um hardware, nem formato definitivo para edição, comercialização e leitura de livros. Qual será o cenário em cinco, dez anos? Schiffrin promete algumas perguntas e algumas respostas, em um novo livro, em breve. Vamos a ver o que acontece. Enquanto isso vou ali ler meus livros (e não me preocupar com os blogueiros pagos, jornalistas toscos, escritores que se descobrem gênios, mas não descobrem que são textualmente ágrafos, sujeitos que advogam a censura como ferramenta de doutrinação e editores inescrupulosos). Assim segue meu mundo.  [início 12/11/2011 - fim 13/11/2011]
"O dinheiro e as palavras", André Schiffrin, tradução de Celso Mauro Paciornik, São Paulo: editora Beí, 1a. edição (2011), brochura 13,5x20,5 cm, 149 págs. ISBN: 978-85-7850-071-9 [edição original: Words & money (Verso books, New York) 2010]

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