quarta-feira, 31 de outubro de 2012

temporada de caça

"Temporada de caça" é um romance de Andrea Camilleri que não faz parte da série de histórias envolvendo o comissário Salvo Montalbano, o mais famoso de seus personagens. Entretanto a narrativa se passa no final do século XIX, no passado da mesma cidade imagináriaVigatà, onde Montalbano investiga seus rocambolescos casos policiais. "Temporada de caça" foi publicado originalmente em 1992, dois anos antes de sê-lo o primeiro dos livros da série Montalbano (A forma da água)Camilleri afirma que foram umas poucas linhas de um relatório técnico sobre as condições econômicas e sociais da Sicília no final do século XIX que o fizeram interessar-se em produzir sua história policial. Um rapaz chega a Vigatá e se estabelece como farmacêutico. Sua presença chama a atenção de todos na cidade, curiosos sobre seu passado. Discreto, ele acaba tornando-se o confidente e posteriormente o marido de uma jovem muito rica, cuja família experimenta uma sucessão de mortes aparentemente fortuitas (seu avô, seu tio, sua mãe e seu seu pai, entre tantos outros). A trama é confusa no início, onde Camilleri se esforça para apresentar um conjunto grande de personagens, cujo passado se enreda em sub-tramas que o leitor só vai entender completamente na segunda metade do livro. De qualquer forma ele consegue gerar e sustentar um bom suspense e produzir um desfecho bastante razoável, verossímil. Literatura ligeira, sem compromissos.
[início: 25/10/2012 - fim: 26/10/2012] 
"Temporada de caça", Andrea Camilleri, tradução de Giuseppe D'Angelo e Maria Helena Kühner, Rio de Janeiro: editora Bertrand Brasil, 1a. edição (2005), brochura 14x21 cm, 160 págs. ISBN: 85-286-1162-0 [edição original: La stagione della caccia (Palermo: Sellerio editore) 1992]

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

poemas : adonis

Este é um livro que apresenta Adonis (Ali Ahamed Said Esber) ao leitor de língua portuguesa, aquele não familiarizado com o árabe original de sua produção ou com as eventuais traduções dele para outras línguas. Adonis nasceu na Síria em 1930, viveu no Líbano muitos anos (adotou a cidadania libanesa em 1962) e desde os anos 1980 está radicado em Paris. É dos mais respeitados poetas contemporâneos, mas também um versátil ensaísta, editor de revistas  e um experiente tradutor, tanto do francês e do inglês quanto do grego. Traduzidos diretamente do árabe, encontramos aqui poemas publicados por toda uma vida, de 1957 até 2003. O tradutor, Michel Sleiman, faz um trabalho de seleção em que explicita a proposta estética de cada um dos livros de Adonis. Apesar de serem apenas fragmentos, com isso o leitor tem uma mostra do que Adonis apresenta a cada livro que publica, fica sabendo quais eram as motivações e as circunstâncias básicas de sua vida (um tanto nômade, forçado ao exílio por seus posicionamentos políticos). Milton Hatoum assina uma apresentação biográfica de Adonis e Michel Sleiman explica em um prefácio os pressupostos de sua organização do volume. O livro inclui umas poucas ilustrações com manuscritos de poemas (a caligrafia árabe é algo que sempre impressiona por sua beleza). Incluí também uma lista de todas as obras de Adonis. Estou com esse livro à mão desde meados de julho. No início estranhei um tanto o ritmo e as construções (as metáforas, os símiles, as vozes, parecem pertencer a um outro mundo), mas depois aprendi a desfrutar deles (digamos assim: acho que passei a lê-los sem muita inteligência, seguindo antes a intuição que outra faculdade). Adonis apresenta temas mitológicos, fala da mulher e do mundo feminino, tem a lucidez dos profetas a quem ninguém dá ouvidos. Sua descrição poética da guerra civil no Líbano é igualmente forte e lírica; ironia e originalidade em seus poemas. Há também espaço para algum ensinamento, como no excelente "Tumba para Nova York", onde ele diz: "Me dizem, 'Procura a ação. A palavra está morta'. A palavra morreu porque a língua de vocês trocou o hábito da fala pelo hábito do gesto. A palavra? Vocês querem descobrir seu fogo? Então escrevam. Eu digo 'escrevam', não digo 'gesticulem', nem digo 'copiem'. Escrevam - do Atlântico ao Golfo não escuto nenhuma língua, não leio nenhuma palavra. Escuto gritaria. Por isso não vejo nenhum lançador de fogo. A palavra é a coisa mais leve e no entanto carrega tudo. A ação é lugar, é instante. A palavra são os lugares todos, é o tempo todo. A palavra - a mão; a mão - o sonho. Eu te descubro, ó fogo, seu protetor. Eu te descubro, poesia." A poesia é a arte do quase inefável, mas talvez seja apenas através da poesia que os homens (e os povos, e as gentes) conseguem se entender (e se surpreender, um tanto mais, e se estranhar, um tanto menos). Grande escritor esse sujeito.
[início: 09/07/2012 - fim: 28/10/2012] 
"Poemas: Adonis", Adonis, organização e tradução de Michel Sleiman, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm, 253 págs. ISBN: 978-85-359-2124-3 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

el mismo mar

"El mismo mar" é uma maravilha. Não se trata de um romance, nem de um poema, mas ora se apresenta como narrativa, ora como algo musical, lírico. Talvez romance em versos seja uma definição adequada. É mesmo um livro muito especial. Amos Oz conta uma história que começa em uma praia do mar mediterrâneo, o balneário de Bat Yam, perto de Tel Aviv, mas também percorre as terras altas do Himalaia e muitos vales e praias do extremo oriente. Em Bat Yam o leitor encontra Albert, um velho senhor que ainda lamenta a morte de sua mulher, Nadia. O filho único deles, Rico, viaja ao oriente, numa jornada de autoconhecimento. Dita, a mulher de Rico, espera o marido, mas vela pelo sogro, escreve um roteiro para um filme, se envolve com um produtor cinematográfico, Dubi, e um investidor, Giggy. Albert por sua vez se envolve com uma colega de profissão também viúva, Bettine. Em capítulos que são como flashes, como cenas de um filme, cada personagem narra ou experimenta uma parte do mosaico que Amos Oz vai montando aos poucos. A metaliteratura não é um artifício bobo para Oz, não é um exercício pós-moderno de estilística. O narrador interage com os personagens, ouve suas críticas sobre o desenrolar da trama, discute resumos do livro com o leitor; o escritor Amos Oz também invader a narrativa com seus fantasmas pessoais (trazendo a história de seus pais, o suicídio de sua mãe, algo de suas relações com as mulheres, da repercussão de suas idéias nos jornais). Há passagens muito boas no livro ("... al joven que se fue a buscar en las montañas el mar que está enfrente de sua casa" é a que mais gostei, mas há coisas realmente poderosas nele). Fiquei muito tempo ser ler coisas de Oz (lembro-me de ter lido quase simultaneamente vários livros dele: Fima, Conhecer uma mulher, A caixa preta, Pantera no porão, mas de repente perdi o interesse). Talvez seja a hora de voltar a eles. Logo veremos.
 [início: 07/10/2012 - fim: 15/10/2012] 
"El mismo mar", Amos Oz, tradução de Raquel García Lozano, Barcelona: ediciones Siruela (Coleccíon Contemporânea - De Bolsillo), 1a. edição (2006), brochura 12,5x19 cm, 280 págs. ISBN: 978-84-8346-000-9 [edição original: 'Oto ha-yam (אותו הים) (Jerusalém: Keter) 1999]

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

heitor

Foi Heloísa, querida amiga, quem me fez conhecer esse pequeno livro. Sylvia Loeb conta uma história potente e concisa. Ela usa no livro alguns artifícios literários: trechos de jornais e revistas, um poema de Mário de Sá Carneiro, uma ilustração curiosa, de uma tamareira milenar. Esses artifícios enfatizam sobretudo a banalidade e preponderância do mal, a natureza potencialmente cruel e vingativa de todos os homens (na verdade todos os personagens do livro são cruéis e vingativos, amargurados e duros, com eles mesmo e com os outros). Diferentemente do herói grego, o glorioso domador de cavalos, filho de Príamo, defensor valoroso das muralhas de Tróia, o Heitor personagem de Sylvia Loeb é mau pai, mau marido, mau chefe, mau filho, mau amigo. Felizmente o livro é curto. Em um livro longo um protagonista como o Heitor que a autora nos apresenta tornaria nossos dias de leitura insuportáveis. As vozes da narração são multiplicadas, um artificio que ajuda a tolerar o convívio que o leitor experimenta com personagens tão medonhos, doentes, sofridos. Claro, há uma truque ingênuo no livro, aquele em que todos os personagens fazem seu relato do que viveram e todos acabem aceitando de alguma forma sua cota de azares e sorte, como se fosse possivel que na vida todos pudéssemos simultaneamente nos conformar com os destinos que trilhamos (acredito que é sempre uma minoria - que se medica, se ilustra ou, simplesmente, que tem sorte - alcança algum descanso perene na loucura dessa vida). Vou procurar outros livros dela, pois passei poucas horas a ler "Heitor", mas continuo com algo dele comigo. Não é pouco.
[início: 18/10/2012 - fim: 19/10/2012] 
"Heitor", Sylvia Loeb, São Paulo: editora Terceiro Nome, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm, 102 págs. ISBN: 978-85-7816-089-0

sábado, 20 de outubro de 2012

corto viaje sentimental

Italo Svevo (ou Aron Hector Schmitz, ou Ettore Schmitz) é conhecido e respeitado por três poderosos romances: Una Vita e Senilità (que publicados ainda no final do século XIX foram muito mal recebidos pelo público e crítica) e La Coscienza di Zeno, de 1923, que um entusiasmado James Joyce, de quem Svevo era aluno de inglês, na Escola Berlitz de Trieste, fez esforços para que fosse publicado e traduzido. Svevo pouco aproveitou o bom acolhimento de La Coscienza di Zeno, morreu em 1928, em um acidente automobilístico. Há quem diga que Joyce usou algumas características de Svevo em seu Leopold Bloom, o protagonista do seminal Ulysses. Mas vamos ao livro. Em "Corto viaje sentimental" estão reunidas quatro narrativas publicadas quase trinta anos depois da morte de Svevo. Três delas (Las confesiones del viejo, Umbertino e Mi ocio) são aparentadas. Na primeira delas o narrador é um velho senhor, algo ranzinza e maniático, que reflete sobre seus hábitos, sua família, a morte de seu filho, a coabitação difícil com sua nora; na segunda ele descreve seu amor pelo neto e algumas conversas que tem com sua mulher, seu médico e seus amigos; no último ele fala de uma experiência amorosa da velhice, da alegria de viver essa aventura (talvez mais cerebral que física), mesmo sabendo ser enganado e explorado pela amante. O relato mais longo (e que dá nome ao livro) envolve um outro personagem, o senhor Aghios, um homem de meia idade. Ele viaja para compromissos de negócios, de trem, entre Milão e Veneza. No início está algo animado por se afastar da mulher e ter a chance de flanar e flertar. Observa seus companheiros de viagem como se fosse um escritor em busca de personagens. Faz o censo das manias e dos gestos de um gordo e falador comerciante, de uma jovenzinha que acompanha um parente vigilante, de um soturno rapaz que suspira e dorme, de um casal de pessoas pobres que erra o vagão em que deveriam estar. Por uma coincidência (e por sua vocação para se intrometer na vida dos outros) Aghios acaba convidando o rapaz a ir com ele até o praça São Marcos, no centro de Veneza (ambos tem que esperar algumas horas por um outro trem que os levará até Gorizia. Quem já esteve por lá sabe o quão impactante é viajar pelo Canal Grande veneziano, principalmente a noitinha, principalmente de gôndola. O garoto conta sua rocambolesca história de amor e fala de suas dificuldades financeiras. Aghios e o condutor da gôndola, velhos senhores, no fundo invejam a ingenuidade do rapaz. Nessa última (assim como nas demais histórias, cabe dizer) o que se narra é menos importante que a forma, que a construção ondulante e vagarosa das frases, que enfeitiçam o leitor. Os ritmos serpeantes do trem e da gôndola se confundem. Aghios pensa ser um bom observador da alma humana, mas o leitor sabe que ele sempre tem uma percepção errada das coisas e do caráter dos outros. Talvez Svevo não tenha publicado estes textos em vida por não considerá-los bons o suficente, sabe-se lá. O leitor percebe que falta robustez a trama, que a história carece de mais atrativos, mas a qualidade da prosa vale o tempo que investimos nela. E vamos em frente. 
[início: 25/08/2012 - fim: 18/10/2012] 
"Corto viaje sentimental", Italo Svevo, traducción de Carmen Martín Gaite, Madrid: Alianza editorial (libro de bolsillo, literatura contemporáneos), 1a. edição (2008), brochura 11x17,5 cm, 263 págs. ISBN: 978-84-206-6248-0 [edição original: Corto viaggio sentimentale e altri racconti inediti (Milano: Mondadori editore), 1957]

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

un asunto de honor

Esta curta história foi pensada desde o início para se transformar em um roteiro e logo em um filme. Antonio Cardenal, produtor cinematográfico, amigo de Arturo Pérez-Reverte, encomendou a ele, um tanto brincando, um tanto falando sério, uma história ligeira que envolvesse "accíon y jovenes y música y cosas así". Pérez-Reverte relutou um bocado e tentou se afastar do projeto, mas acabou enfeitiçado pelos dois personagens que imaginou justamente no momento em que o amigo fez o convite. Sei disso pois Pérez-Reverte conta a história de como "Un asunto de honor" se converteu em "Cachito", filme produzido em 1996, em um curto e divertido posfácio incluído no livro. A história é mesmo descompromissada. Um ex-presidiário, Manolo, trabalha como caminhoneiro. Um dia para em um prostíbulo barato, onde se encontra com alguns conhecidos, e ouve a história de uma garota cuja virgindade foi negociada com um sujeito. Quando sai do prostíbulo descobre que a tal garota havia se escondido em seu caminhão. Seu primeiro impulso é levá-la de volta ao prostíbulo, o que acaba mesmo fazendo, seguro de que com isso estaria se afastando de um problema grave, mas seu sentido de honra acaba fazendo com que ele resgate a garota de seus captores, empreedendo uma fuga rocambolesca pelas estradas da Andaluzía, no sul da Espanha, rumo a Portugal. Não há muito mais o que falar. Há um punhado de personagens secundários, algo caricatos. O leitor sabe desde a primeira página que Manolo e Maria (ou antes, Trocito, o invulgar apelido que a garota ganha ao ficar com ele) irão se envolver de alguma forma. A narrativa é contada em curtos capítulos, que rapidamente levam o leitor a um desfecho realmente cinematográfico (mas de cinema comercial mesmo, sem pretensões intelectuais elevadas, já que não há mesmo nada de sofisticado no livro). Diversão ligeira, para se ler entre cousas mais poderosas.
[início: 04/10/2012 - fim: 06/10/2012]
"Un asunto de honor", Arturo Pérez-Reverte, Madrid: Punto de lectura, 2a. edição (2006), brochura 12,5x19 cm, 110 págs. ISBN: 84-663-1902-6 [edição original: Madrid: editorial Santillana (Alfaguara), 1995]

terça-feira, 16 de outubro de 2012

libro de las bestias

Como classificar esse texto, produzido no final do século XIII, como identificá-lo? Trata-se de um texto com pretensões didáticas, um livro de doutrinação política, religiosa e filosófica. Foi escrito em catalão, por um sujeito nascido em Maiorca, a maior das Ilhas Baleares espanholas, chamado Ramon Llull. Provavelmente foi escrito em Barcelona, mas publicado em Paris, quando Llull vivia sob a proteção de Filipe IV (da França). "Llibre de les bèsties" é parte de um livro maior, conhecido como "Fèlix, o Llibre de meravelles", no qual são discutidos e apresentados o que se costuma chamar de filosofia natural ou filosofia da natureza. Os títulos em catalão dos dez livros de Fèlix são: Sobre Déu, Sobre els àngels, Sobre el cel, Sobre el elements, Sobre les plantes, Sobre els metalls o minerals i l'alquimia, Sobre els animals, Sobre l'ésser humà en tots els seus aspectes, Sobre el Paradis, Sobre l'Infern. Aprendi isso na boa introdução incluída no livro, assinada pelo tradutor. O texto em si é pequeno, mas saboroso, deixa-se ler com tranquilidade. Em "Libro de las bestias" Llull conta histórias antropomorficas, contos morais em que animais interagem e experimentam situações típicas dos homens. As parábolas lembram muito daquilo que encontramos nos livros de "As mil e uma noites". Alegoricamente Llull ensina valores que um rei deve seguir para ser sábio e justo, além de previní-lo dos maus conselheiros e aduladores. São sete curtos capítulos nos quais a história avança linearmente. Os animais devem escolher um rei. Um grupo defende o cavalo, um outro o leão (mas vários outros igualmente cobiçam o trono: o Urso, a Onça, o Leopardo, a Raposa). Após alguma discussão entre aqueles que comem ervas e aqueles que comem carne o leão é eleito. A partir daí o leitor segue uma inevitável sucessão de intrigas palacianas, traições, reviravoltas e mortes violentas. O homem participa, mas de longe, pois os animais já são capazes de entender que dele só se pode esperar desgraças e morte. Tudo é muito ingênuo e simplista, mas divertido. Llull obviamente defende um mundo ordenado, onde uns poucos governam sob inspiração divina enquanto a maioria os obedecem cegamente. Não há uma reflexão consistente sob o exercício do poder (como encontramos por exemplo, em "O príncipe", de Maquiavel). O tom é mais próximo das histórias de fadas. Pena que não há porque acreditar que os homens do século XIII sejam muito diferentes dos homens deste século XXI (notadamente em um país miserável como o Brasil). Patético. 
[início: 08/10/2012 - fim: 14/10/2012]
"Libro de las bestias", Ramón Llull, Introducción, traducción y notas de Laureano Robles Carcedo, Madrid: editorial Tecnos (grupo Anaya) colección Clásicos del Pensamiento, 1a. edição (2006), brochura 13x20 cm, 82 págs. ISBN: 84-309-4432-X [edição original: Llibre de les bèsties (Llibre de meravelles) Barcelona/Paris, 1287/1289]

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

no leer

Alejandro Zambra é professor universitário (da Universidad Diego Portales, do Chile), escritor (já publicou dois livros de poesia e três romances: Bonsái, La vida privada de los árboles e Formas de volver a casa) e crítico literário. Recentemente o primeiro de seus romances, Bonsai, de 2006, foi publicado no Brasil e Zambra ganhou alguma notoriedade por aqui. Em No Leer estão reunidas quarenta e sete crônicas e ensaios curtos sobre literatura, antes publicadas em jornais e revistas chilenos (nos últimos cinco ou seis anos). No período imediatamente anterior a esse ele manteve uma coluna regular de resenhas literárias, iniciada em 2002 e continuada por três anos, mas desse trabalho apenas uns poucos estão incluídos em No Leer. Isso se deve a uma distinção importante defendida por Zambra logo na introdução. Para ele o trabalho de leitor por encomenda de livros obriga um sujeito a tomar conhecimento de coisas muito ruins e, eventualmente, também aborrecer-se com os autores incomodados com as resenhas. Ele afirma que chegava a ler duas vezes livros que certamente abandonaria após uns poucos parágrafos, caso não fosse seu dever de ofício ler de fato os livros antes de resenhá-los. Por outro lado, as crônicas que ele passou a produzir após 2006 são fruto de escolhas pessoais e aleatórias dele, sem compromissos com pautas jornalísticas ou com o ritmo de divulgação das editoras. São textos realmente muito bons. Há alguma ironia neles, um bom humor que cativa o leitor e o faz pensar nas idéias que ele apresenta. Neles encontramos opiniões descompromissadas de um leitor sistemático e também análises mais robustas, acadêmicas, porém claras, fáceis de ler. Ele sabe desnudar parte da impostura inerente dos meios literários; fala da tirania das listas de leituras obrigatórias; do artificialismo das novidades geniais, das revoluções literárias anunciadas com alarde e das promessas enganadoras que são continuamente impostas pelos mercadores dos livros (nada que a um sujeito que acompanhe os cadernos de cultura de jornais e revistas brasileiros ou participe das redes sociais daqui não soe familiar). Aprendi um bocado com ele. Zambra fala muitos de autores chilenos, claro, mas também encontramos citações longas sobre Ezra Pound, Clarice Lispector, J.M. Coetzee, Jorge Luis Borges, Gustave Flaubert, Henry James e Cesare Pavese. Esse livro não é muito difícil de encontrar, mas aquele que preferir apenas conhecer as crônicas pode encontrar boa parte delas no site http://www.udp.cl/difusion/columnas/columnistas/Alejandro_Zambra.htm. Não chega a ser um tratado sobre os hábitos de leitura, mas é mesmo um livro muito bom.
[início: 15/09/2012 - fim: 25/09/2012]
"No leer: crónicas y ensaios sobre literatura", Alejandro Zambra, seleccíon y edición de Andrés Braithwaite, Barcelona: ediciones Alpha Decay (coleccíon Héroes Modernos #27), 1a. edição (2012), brochura 12,5x20,5 cm, 231 págs. ISBN: 978-84-92837-48-9 [edição original: No leer (Santiago: Ediciones Universidad Diego Portales) 2010]

terça-feira, 9 de outubro de 2012

a arte de viajar

Li uns dois ou três livros de Alain de Botton nos anos 1990 e dei um basta. Achei interessante sua pretensão de aproximar o público leitor de algumas ferramentas analíticas da filosofia, mas o resultado (os livros afinal de contas) era muito irregular. "Como Proust pode mudar sua vida" foi a gota d'água. O Proust que aprendi a amar lendo seus livros parecia um pobre desgraçado, condenado a emitir platitudes, numa espécie de guia de auto ajuda sofisticado, mas raso, uma tragédia do começo ao fim. Nessas férias de inverno encontrei, justamente em um aeroporto, "A arte de viajar" e decidi experimentar. É um livro relativamente antigo (de 2002). Alain de Botton sai de sua invernal Londres e viaja, tomando notas e experimentando o estranhamento de estar fora de casa. Vê-se na ensolarada Barbados, na úmida Amsterdã, na ruidosa Madrid, no idílico Lake District (no interior da Inglaterra), no infinito Deserto do Sinai, na exuberante Provença. Descreve aeroportos, postos de gasolina, rodoviárias, estações de trem, autopistas. Compara suas impressões com os registros de outros escritores e artistas, como Huysmans, Baudelaire, Hopper, Flaubert, von Humboldt, Wordsworth, Burke, van Gogh, Ruskin, de Maistre. As associações que ele faz são mesmo interessantes e induzem o leitor a procurar em outros textos o aprofundamento dos conceitos, mas claro, o leitor percebe logo o quanto o projeto tem de artificial, como se ele já soubesse de antemão o que sentiria em cada lugar e apenas buscasse a confirmação de idéias pré-estabelecidas. Mas isso não é um problema. O leitor pode entrar nesse jogo e aproveitar a abordagem dele, já é alguma coisa. O livro inclui várias fotografias que de certa forma auxiliam o leitor a acompanhar suas considerações. Razoável, mas já chegou a hora de incluir cousas com mais estofo por aqui (viajei muito desde julho e tenho um bocado de resenhas atrasadas). Paciência. 
[início: 26/09/2012 - fim: 29/09/2012]
"A arte de viajar", Alain de Botton, tradução de Clóvis Marques, Rio de Janeiro: editora Intrínsica, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm, 253 págs. ISBN: 978-85-8057-221-6 [edição original: The Art of Travel (London: Hamish Hamilton) 2002]

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

beppo: uma história veneziana

O poema não é muito longo (são menos de cem estrofes em oitava-rima - oito versos decassílabos, como no Os Lusíadas, de Camões) e é escrito em uma linguagem corrente, nada rebuscada, que lê-se com prazer. O tema também ajuda, pois é divertido e leve. Byron conta os desdobramentos rocambolescos de um triangulo amoroso. Faz uma irreverente e satírica comparação entre a moral inglesa e a italiana, criticando a hipocrisia daquela primeira e o excessivo relaxamento dessa última. A tradução é assinada por Paulo Henriques Britto, garantia de que muito provavelmente as melhores soluções possíveis foram incorporadas ao texto. De fato essa tradução é uma segunda versão, revisada, da original, que é de 1989. O pequeno livro inclui três minos. Primeiro uma introdução relativamente longa, onde Paulo H. Britto fala da biografia de Byron e da importância de sua obra, produto do início do século XIX. Ele digressa sobre a exuberância da poesia de Byron e seus defeitos, compara-o a Wordsworth e aponta para o aprendizado que a leitura de sua obra oferece ao leitor moderno. Há também um posfácio onde se discute a técnica de composição de Beppo e sobre as escolhas do tradutor (principalmente as forçadas limitações). Por fim há a transcrição de uma carta de Byron onde ele apresenta a um amigo a figura do "cavalier servente", o sujeito que na sociedade veneziana do século XVIII era o amante oficial de uma senhora casada, uma espécie de marido adicional, que poderia até tornar-se amigo do original. Não é o melhor poema que já li na vida, mas é mesmo jocoso e divertido, na medida certa para esses dias tão medíocres. Vamos em frente.
[início: 23/09/2012 - fim: 26/09/2012]
"Beppo: Uma história veneziana", Lord Byron, tradução de Paulo Henriques Britto, Rio de Janeiro: editora Nova Fronteira (coleção fronteira), 3a. edição (2010), brochura 12,5x19,5 cm, 162 págs. ISBN: 978-85-209-2465-5 [edição original: Beppo: a venetian story (Venice) 1817]