segunda-feira, 24 de junho de 2013

bichos no lixo

Se há um sujeito que eu respeito é o Ferreira Gullar. Não apenas gosto do poeta, do crítico de arte e cultura, do artista plástico multitalentoso, mas também do sujeito que escreve suas crônicas em jornais. Gullar tem a coragem daqueles que não se importam com o poder daqueles que critica (a maioria dos escritores, músicos, atores e artistas plásticos brasileiros tem sempre aquela velha mania de serem logo corrompidos pelos poderosos de plantão - ou são apenas uns tontos, acontece muito também). Gullar pratica também a clarividência e a memória dos sábios (os Tirésias e as Cassandras desta vida sempre tem um destino funesto, mas antes lembrar das coisas e fazer previsões que ninguém acredita que juntar-se ao coro canalha de hipócritas e oportunistas). Ele tem um estilo literário claro, econômico e objetivo, sempre implacável com a mentira, o roubo e a corrupção, sempre observador das belezas, das musas e dos assombros. Para quem não conhece, suas crônicas na Folha de São Paulo podem ser encontradas aqui. "Bichos do lixo" é algo totalmente diferente, uma proposta visual antes que literária. Lembra um tanto aquele teste de avaliação psicológica (Rorscharch) ou o antigo hábito infantil de passar horas de sol interpretando as nuvens e enxergando nelas tudo aquilo que queremos ver (farão isso as crianças hoje em dia?). Trata-se enfim de um livro-arte, dedicado ao público infantojuvenil. Ele propõe um jogo, reunindo aleatoriamente pedaços de papel (principalmente de jornais velhos, propaganda e envelopes de cartas que recebe) e os recortando e colando em miríades de pedaços que, depois, reúne com calma e cola, metamorfoseando as cores e formas que encontra em animais, insetos e aves. As palavras sintetizam o que o poeta vê, mas é o leitor que é convidado a também ele brincar com a imaginação. Concordaria ele com o que vê? Cabe ainda um registro. Digo que ele reúne aleatoriamente, mas isso não é exatamente verdade. Ele deve preparar o material previamente, talvez deixando a mão fazer automaticamente os cortes, talvez seguindo esboços que faz antes no papel. De qualquer forma com paciência e zelo ele prepara as formas e daí começa o jogo de fixação das imagens que consegue ver. Livro divertido, para entreter todo aquele que ainda tiver uma cabeça jovem e fresca (coisa difícil nestes tempos bicudos). 
[início - fim: 20/06/2013]
"Bichos do lixo", Ferreira Gullar (texto e ilustrações), Rio de Janeiro: Casa da Palavra Produção Editorial (editora Leya), 1a. edição (2013), brochura 25x21 cm., 86 págs., ISBN: 978-85-7734-330-0

Um comentário:

Lina disse...

olá,sou dona de um blog de literatura, e gostaria de saber se estás disponivel para parcerias.
grata