quinta-feira, 3 de outubro de 2013

a maçã envenenada

Michel Laub apresenta em "A maçã envenenada" a história de um sujeito de quarenta anos, jornalista, que por alguma razão localiza num dilema moral, em um acontecimento fortuito de sua juventude, a origem de seu desconforto com a vida. Ao entrevistar uma ativista tútsi, sobrevivente do massacre de Ruanda (ocorrido início dos anos 1990), ele lembra que na mesma época do massacre um de seus ídolos, Kurt Cobain, o líder da banda Nirvana, havia cometido suicídio. O sujeito passa então a narrar seu conturbado relacionamento com uma garota, seu primeiro amor, um típico amor adolescente que desde o início está condenado ao fracasso. A garota é também vocalista de sua banda de rock, na Porto Alegre provinciana daqueles dias. O dilema moral que o narrador experimentou quando era jovem envolvia ir ou não com a namorada ver um show do Nirvana, em São Paulo, ao mesmo tempo que deveria decidir se aceitava ou não a extorsão pecuniária de um colega de sua turma do serviço militar, por conta de uma transgressão boba (que ele imaginava capaz de eventualmente destruir sua carreira profissional). Laub contrasta o suicídio de Cobain com o estoicismo e força da ativista tútsi e, simultaneamente, oferece ao leitor fragmentos da história do narrador, de sua namorada e da mãe dela, onde encontramos simetrias (trágicas simetrias) com aquelas duas histórias. A exemplo do que sempre acontece no mundo real, na história inventada por Laub os irrelevantes dilemas do narrador se evaporam (talvez não exatamente por acaso, mas de qualquer forma sua vida segue por novos caminhos). O narrador, em 2013, parece não estar convencido da eficácia efêmera do desgosto e continua aborrecido e culpado, preso ao passado. É um livro fácil de ler. E é de fato bem escrito, mas não empolga muito (as histórias de aprendizado raramente empolgam). Todavia Laub tem o mérito de exemplificar num bom texto que não há nada a se invejar da juventude (época dos milagres, como lembra divertido Josep Pla, mas que é boa e memorável exatamente porque acaba, quando todos nos metamorfoseamos um dia, afinal, em um adulto). Paciência. "Diário da queda" agradou-me muito mais. Aparentemente "A maçã envenenada" é o segundo volume de uma trilogia. Vamos esperar, e ler. Trivia: Laub enumera trechos de seu livro, de 1 a 101. Talvez seja uma bobagem, mas não há como deixar de pensar que a história que se narra é uma história de iniciação, de exercícios - como nos cursos 101 das universidades americanas.
[início: 06/09/2013 - fim: 07/09/2013]
"A maçã envenenada", Michel Laub, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2013), brochura 14x21 cm., 119 págs., ISBN: 978-85-359-2311-7

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