quarta-feira, 18 de junho de 2014

história policial

No Brasil é fácil. Você sabe que o sujeito é um farsante quando ele hoje, 2014, com menos de sessenta anos, diz orgulhoso que lutou contra a ditadura militar. Não é esse o caso do húngaro de ascendência judaica Imre Kertész, nascido em 1929, sobrevivente do nazismo e do holocausto e que viveu anos sob o regime stalinista implantado em seu país. Kertész usa a literatura para refletir sobre suas experiências em regimes totalitários e ganhou o prêmio Nobel em 2002. Em "História policial", publicada originalmente em 1977, Kertécz conta uma história realista, nunca é piegas ou tolo. Trata-se de uma maravilha. Concisa e surpreendente essa pequena narrativa explica muito bem como operam os diferentes atores de um regime totalitário (sejam eles os ditadores visíveis e o aparato policial de repressão propriamente dito ou aqueles: anônimos, escravos mentais, indiferentes, covardes ou simplesmente inocentes que experimentam a opressão, a morte e o exílio gerado em tais governos). O narrador, um agente do regime que se encontra preso, esperando sua sentença, descreve seus anos de iniciação nos serviços de repressão. Esse narrador conta a história de um jovem universitário que quer participar da luta contra o regime ditatorial em que vive e como seu pai, um empresário bem sucedido, também acaba se envolvendo nos planos do filho. O leitor acompanha fragmentos da memória do agente repressor e trechos dos textos do diário do rapaz, num contido suspense, inventivo demais para que eu me atreva a detalhá-lo aqui. As tiranias (sejam elas de direita ou esquerda, longas ou curtas, nascidas democraticamente, pelo voto, aparentemente bem intencionadas ou explicitamente cínicas desde uma origem revolucionária) desumanizam e escravizam igualmente qualquer um. Pouco importa se a tortura é de direita ou de esquerda, ela acaba por matar o cidadão do mesmo jeito (muito embora há quem acredite serem seus verdugos necessários ou que a censura e o controle do estado sobre os cidadãos possam ser relativizados - sempre haverá canalhas, em qualquer tempo e lugar). Num país politicamente indigente como o Brasil livros assim deveriam ser lidos como exercício de educação, mas isso requer uma fé na capacidade de cognição dos brasileiros que eu jamais terei.
[início: 06/06/2014 - fim: 08/06/2014]
"História policial", Imre Kertész, tradução de Gabor Aranyi, São Paulo: Alaúde editorial (selo Tordesilhas / coleção prêmio Nobel), 1a. edição (2014), brochura 14x19 cm., 120 págs., ISBN: 978-85-64406-88-9 [edição original: A Nyomkereso (Detektívtörténet) / (Budapest: Szepirodalmi) 1977]

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