quarta-feira, 2 de julho de 2014

dicionário amoroso de salvador

Assim como no Recife de Urariano Mota nunca estive na Salvador de João Filho. Acho que ambos funcionam bem como virgílios honorários destes passeios por cidades alheias, passeios inspirados pelos volumes da coleção "Dicionário Amoroso de ..." editados pela Casarão do Verbo. Já li os quatro editados até aqui (não exatamente na ordem em que foram publicados, mas na ordem em que me coube a sorte de encontrá-los). A Salvador que brota dos verbetes de João Filho é uma cidade-mosaico, complexa e vibrante como toda cidade grande, mas também algo prisioneira de seu passado, das expectativas que todo neófito de seus encantos traz consigo ao chegar lá pela primeira vez. João Filho consegue fugir das explicações simples para os estereótipos que usualmente são associados a sua cidade. Ele consegue o feito de oferecer ao leitor um guia bastante especial, lírico até, daquilo que entende ser genuinamente baiano. Seus 56 verbetes são em geral curtos, concisos, mas sua prosa não precisa ser caudalosa para nos convencer. Ele conversa com o leitor como se fosse um amigo que nos mostrasse algo caro. Cria imagens muito bonitas, alegres, cúmplices, do céu e do mar, das ladeiras e do povo. Os temas dos verbetes estão bem balanceados em quatro grandes conjuntos: (i) lugares e bairros (Barra, Cidade baixa, Igrejas, Ladeiras, Lagoa, Sebo Brandão, Solar do Unhão); (ii) pessoas (Em primeiro lugar a "tríade construtora da baianidade: Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado" - que frase feliz, mas também Raul Seixas, Pierre Verger, Irmã Dulce, o jogador Bobô, Reginaldo Rossi e tantos outros conterrâneos seus); (iii) coletivos (como o Candomblé, o Carnaval, os Galegos, os vendedores, os conjuntos musicais, as baianas do acarajé) e (iv) coisas mais etéreas (como o mar, o clima, a sexualidade, o sotaque, a fofoca - fuxico, o barulho - zoada, a preguiça e a mandinga). As ilustrações incluídas no livro são assinadas pelo artista plástico Caius Marcellus Araújo. Elas estão reproduzidas em tons de cinza. Gostei delas, lembram coisas do Giorgio de Chirico. Enfim, ao viajar há quem goste de sempre voltar aos lugares onde foi feliz alguma vez, mas há aqueles que sempre preferem o novo, o desconhecido. Essa coleção de dicionários deixou-me dividido. Será o tempo de voltar a Porto Alegre e a Curitiba ou será o caso de conhecer a cidade de Salvador ou o Recife? Como já nos ensinou um dia Auden, para onde aponta essa jornada que invejamos tão amargamente? Wither?
[início: 23/06/2014 - fim: 30/06/2014]
"Dicionário amoroso de Salvador", João Filho, Anajé/Bahia: Editora Casarão do Verbo, 1a. edição (2014), brochura 15x23 cm., 248 págs., ISBN: 978-85-61878-33-7

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