quarta-feira, 20 de maio de 2015

en el café de la juventud perdida

Dos romances que já li de Patrick Modiano "En el café de la juventud perdida" é o que foi publicado mais recentemente, em 2007 (ele publicou pelo menos outros três depois). É o primeiro livro dele que leio onde há mais de um foco narrativo e o primeiro que se afasta de sua obsessão com o comportamento dos franceses durante a ocupação nazista na segunda grande guerra. Bueno, talvez não se afaste tanto assim, logo explico. A trama se concentra no destino de uma garota conhecida como Louki que frequenta um café de Paris. Esse café é um lugar de estudantes, literatos, boêmios, de gente que vive o presente e não se preocupa com o passado ou o futuro de ninguém. O livro é dividido em cinco capítulos curtos. No primeiro temos um narrador típico de Modiano, seu alter ego, alguém jovem que observa e pensa, que retrospectivamente lembra-se de questões que ficaram sem resposta de um determinado assunto e sabe ser esse assunto o material para um futuro romance. O rapaz frequenta o mesmo café que a garota e se interessa por ela, numa noite caminha de volta para casa acompanhado por ela e por um sujeito que o narrador imagina ser seu namorado. No segundo capítulo um outro narrador, Maurice Raphaël, descreve como foi contratado por um homem para localizar sua mulher, desaparecida há poucos dias. O leitor percebe logo que a mulher desaparecida é a mesma Louki descrita no capítulo anterior e que o detetive é alguém cujo passado é obscuro, que certamente já cometeu crimes e tem contatos com os serviços de informação de seu país. No terceiro capítulo quem narra é Louki. Ficamos sabendo apenas de fragmentos de sua vida, uma sucessão de rupturas, fugas, negação do passado. Nos dois capítulos finais o narrador é um rapaz chamado Roland, que de fato passou a viver com Louki após ela ter abandonado o marido e tê-la conhecido por acaso num curso algo esotérico, ministrado por um sujeito chamado Guy de Vere (que pode também ser uma espécie de psicólogo, analista). Mas esses dois últimos capítulos não são lineares. Num ele fala de Louki no presente da vida deles, quando sabe que mal a conhece (e menos ainda entende sua loucura). No outro ele reencontra o velho Guy de Vere e é estimulado por ele a relembrar Louki, a descrever os demais personagens que ele conhece e gravitavam o mundo dela, numa tentativa de melhor entendê-la, como se ele fosse agora um detetive que se debruça sobre sua própria memória. "En el café de la juventud perdida" lembra um tanto o início de "A colméia", de Camilo José Cela, por conta da descrição detalhada da fauna que frequenta os ambientes viciados e minúsculo dos bares boêmios. Modiano parece incluir sempre a geografia de Paris na trama, descrevendo detalhadamente os caminhos dos personagens pelos bairros (que assim como as pessoas ascendem socialmente, caem em desgraça, são esquecidos, florescem, se envergonham do passado, ambicionam um futuro melhor). O leitor familiarizado com outros livros de Modiano poderia se perguntar: o Roland desse livro pode ser o mesmo sujeito que perdeu a memória em "Calle de las tiendas oscuras"?;  Jeannette Gaul uma das garotas que cuidavam dos irmãos pequenos em "Remissão da pena"? E Guy de Vere, como ele sai de um poema de Edgar Allan Poe e entra nesse romance de Modiano? E cabe registrar por fim que Maurice Raphaël é o pseudônimo de um escritor francês real que talvez tenha mesmo sido colaboracionista (Modiano não consegue mesmo deixar o passado sujo da França suficientemente longe do sol e seus efeitos profiláticos). 
[início: 12/05/2015 - fim: 17/05/2015]
"En el café de la juventud perdida", Patrick Modiano, tradução de María Teresa Gallego Urrutia, Barcelona: editorial Anagrama (Panorama de Narrativas #705), 1a. edição (2008, brochura 14x22 cm., 131 págs., ISBN: 978-84-339-7486-0 [edição original: Dans le café de la jeunesse perdue (Paris: éditions Gallimard) 2007]

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