terça-feira, 7 de julho de 2015

senhor das moscas

Depois de ter experimentado reler a trilogia "Fundação" (de Isaac Asimov) e o "Laranja Mecânica" (de Anthony Burgess) resolvi voltar a um outro texto que havia lido nos anos 1970/1980. "Senhor das moscas" é um romance curto e realmente poderoso. O leitor é apresentado aos desdobramentos das relações de uma configuração inicial de pessoas. Como num selvagem experimento sociológico (uma espécie de Gedankenexperiment, uma experiência mental) acompanhamos como um grupo de pessoas se relaciona ao longo do tempo. O resultado do experimento é algo impressionante, terrível. Um grupo de garotos muito jovens sobrevive a queda de um avião em uma ilha deserta. Eles estavam sendo transportados para um lugar seguro, longe dos desastres de uma guerra. William Golding faz seu narrador descrever como os garotos recriam inicialmente uma organização social que lhes parece adequada e boa (estruturada hierarquicamente como aquela que conheciam, com um líder, divisão de tarefas, regras morais) e como essa estrutura passa a metamorfosear-se em versões progressivamente violentas, bárbaras, sombrias, caóticas, destruidoras. Trata-se portanto de uma alegoria sobre a condição humana, sobre os limites da razão e das possibilidades de convívio social. Golding parece perguntar se a civilização, o estado organizado ou a sociedade são construções perenes do homem ou coisas frágeis demais, necessariamente condenadas a auto-destruição. Claro, viver é um experimento destrutivo por excelência. Jamais temos a chance de voltar a um determinado ponto do passado e reparar um erro, refazer uma escolha, desviar de uma armadilha. Aparentemente o homo sapiens sapiens, mesmo tendo alcançado tantas maravilhas em 200 ou 300 mil anos, é apenas um animal furioso, irresponsável, programado geneticamente para a rápida involução. Os personagens de Golding são esquemáticos: há o aquele que pode ser visto como o representante da ciência, da razão; outro que faz as vezes de democrata, de ordenador político; outro que flerta com o fascismo e a violência; outros que se convertem à disciplina, em uma força militar; um que experimenta a fé religiosa ou o paganismo; e ainda aqueles que se reduzem voluntariamente em massa de manobra, como cães ou ovelhas. O livro foi publicado originalmente em 1954, logo após os sucessos terríveis da segunda grande guerra mundial e hoje é reconhecidamente um dos mais seminais romances já escritos. Nesse início de século XXI mesmo os mais otimistas dentre nós parecem reconhecer que talvez as relações entre o homens ou entre os povos sejam complexas demais para que possamos um dia alcançar de fato paz, equidade de fortuna e direitos. Talvez a felicidade coletiva não seja algo que possa ser engendrado a partir de nosso genoma. Quem sabe (ou realmente se importa)? 
[início: 16/06/2015 - 06/07/2015]
"Senhor das moscas", William Golding, tradução de Sergio Flaksman, Rio de Janeiro: editora Objetiva / Alfaguara / Grupo Prisa, 1a. edição (2014), brochura 15x23 cm., 223 págs., ISBN: 978-85-7962-287-8 [edição original: Lord of the Flies (London:Faber and Faber) 1954]

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