quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

las bellas extranjeras

Depois do impressionante "El ruletista" procurei outras coisas do romeno Mircea Cartarescu. Encontrei esse "Las Bellas Extranjeras", publicado em 2010, onde estão reunidos três contos: "Ántrax"; "Las bellas extranjeras" e "El viaje del hambre". Originalmente essas histórias foram publicadas numa revista (Sapte Seri), em capítulos, na forma de folhetim. Cartarescu avisa o leitor num curto prólogo que as histórias têm muito de autobiográficas e nasceram de situações e personagens reais, porém são definitivamente narrativas de ficção (apesar de não parecerem). São histórias bem humoradas, ácidas, onde o narrador, quase no limite do inverossímil, quase cabotino, não tem pudor de detalhar os acontecimentos humilhantes, constrangedores ou vergonhosos pelos quais passa. Em "Ántrax" Cartarescu recebe um envelope de uma editora dinamarquesa e imediatamente imagina que o pacote esteja contaminado com antraz (a história se passa num período posterior aos ataques bioterroristas de 2001). Paranoico, ele leva o envelope para uma delegacia de polícia e enfrenta burocratas que não parecem exatamente convencidos da possibilidade de um obscuro escritor romeno sofrer um atentado daquela natureza. Em "El viaje del hambre" (que a exemplo de "Ántrax" também é um conto relativamente curto, de apenas quarenta páginas) Cartarescu narra um episódio de sua juventude, quando viaja para uma cidade do interior da Romênia para participar de uma leitura pública de seus poemas. O jovem poeta romantizava alcançar sucesso e reconhecimento público, vender seus livros, dar dezenas de autógrafos e seduzir as moças do lugar, mas o que ele experimenta é a realidade dura de um neófito mascate das letras. Esse é o mais divertido e sarcástico dos três contos. "Las bellas extranjeras" é bem mais longo, pelo menos três vezes mais extenso que os demais. Nele acompanhamos os sucessos das duas semanas de uma turnê literária de doze escritores romenos pela França, onde dão entrevistas, fazem leituras públicas de seus trabalhos e participam de recepções, normalmente em cidades pequenas e em eventos de repercussão quase nula. Cartarescu digressa o tempo todo, desviando pelo tempo e memória, contando causos de outras viagens que fez e das situações amalucadas que vivenciou. Com uma brutal honestidade ele fala do eterno problema da tradução; da recepção de um autor exótico por um público não iniciado; das dificuldades de lidar com a fama ou com a ausência dela; do quão vulgar pode ser o comportamento de escritores rivais; da inveja e da hipocrisia natural dos escritores. Ele cita vários livros e autores conterrâneos seus, sabe ser cruel mas também é bem humorado. Os reclamos que se ouve usualmente de autores no Brasil, como dificuldades de publicação; existência de panelinhas literárias; bloqueio da grande mídia aos escritores iniciantes; baixa qualidade da produção atual; o ridículo dos modismos e cursos de escrita criativa ou o empobrecimento inexorável da língua são elencados por Cartarescu como típicos de seu país. Ele até fala de um famoso "jeitinho romeno" de resolver as coisas, que muitos no Brasil acreditam ser uma característica genética, maravilhosa, transcendental e unívoca nossa. Duvido que algum escritor brasileiro tivesse a coragem de publicar algo parecido, pois certamente experimentaria processos sem fim. Haverá sim mais Cartarescu por aqui. Vale.
[início: 15/01/2016 - fim: 25/01/2016]
"Las Bellas Extranjeras", Mircea Cartarescu, tradução de Marian Ochoa de Eribe Urdinguio, Madrid: editorial Impedimenta, 1a. edição (2013), brochura 14x21 cm., 253 págs., ISBN: 978-84-15578-55-0 [edição original: Frumoasele Straine (Bucarest: Humanitas), 2010]

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