quinta-feira, 27 de outubro de 2016

filhos da américa

Nunca havia lido nada da Nélida Piñon. Noutro dia vimos, Helga e eu, uma boa entrevista com ela, senhora lúcida e de ideias sutis. Sua linguagem nos enfeitiçou, sua sagacidade parecia vir de alguém que sabe dos aborrecimentos da vida, mas não se abala por eles, sem ser pessimista ou cabotina. No final de semana seguinte o acaso, sempre um fiel camareiro, fez-me encontrar esse "Filhos da América". São ensaios, discursos, necrológios. A edição, frouxa para dizer o mínimo, não identifica a origem deles. Mas o leitor entende pelo contexto que um é o discurso referente as comemorações do centenário de falecimento de Machado de Assis, que ela proferiu na Academia Brasileira de Letras; outro um discurso de aceitação de um prêmio acadêmico em uma universidade gaúcha; outro ainda o discurso de recepção a um colega imortal na ABL. São textos muito bons. Vários deles tratam de sua biografia literária, da gênese de alguns de seus livros ("Vozes do deserto", "República dos sonhos", Guia-mapa de Gabriel Arcanjo"). Claro, um dia preciso ler sua ficção, seguro que sim. Outros são textos de reflexão sobre literatura, as fontes gregas, hebraicas, romanas e ibéricas que nutriram a língua e a literatura brasileira. Outros ainda são necrológios, registros sobre a morte de amigos queridos ou personalidades por quem guarda admiração (Clarice Lispector; Carmem Barcells, Júlio Cortazar, Raquel de Queiroz, Tomás Elroy Martinez, santa Tereza de Ávila, Guilherme Cabrera Infante, Guamám Ayala, José de Anchieta, José Maria Arguedas, Marília Pêra). Há um conjunto de cinco ou seis ensaios relativamente curtos que louvam o brasileiro maior de sua grei (palavra que ela usa invulgarmente): Machado de Assis. Por meio deles ela faz reduções sociológicas e antropológicas sobre o Brasil e o continente Ibero-Americano; reflete sobre a cultura e a palavra; percorre a geografia do Rio de Janeiro; tenta decifrar os mitos fundadores da literatura brasileira e o papel singular de Machado. Muito interessante mesmo. Um leitor curioso pode encontrar parte do material reunido nesse "Filhos da América" na página eletrônica dedicada a ela que está depositada na ABL. Vale a pena.
[início: 20/10/2016 - 24/10/2016]
"Filhos da América", Nélida Piñon, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2016), brochura 14x21 cm., 398 págs., ISBN: 978-85-01-08770-6

Um comentário:

Paulo Rafael disse...

Menino, você postou um monte nos últimos dias!
Valeu a visita lá no blog.
Fiz o comentário de Sábado, de McEwan, do qual não gostei e, para contrapor, indiquei a sua resenha, mais favorável.
Abraços!