segunda-feira, 13 de novembro de 2017

os dois primos nobres

"Os dois primos nobres" é a mais tardia das peças atribuídas a Shakespeare, e também uma daquelas ausentes do Primeiro Fólio, de 1623, volume em que se imaginava estivessem transcritas suas obras completas. Já registrei aqui sobre uma destas, "Cardênio", provavelmente escrita em 1612 ou 1613, e que perdeu-se completamente (no belo livro de Roger Chartier se aprende um bocado sobre Shakespeare e Cervantes). As demais ditas "peças tardias" são: "Péricles, príncipe de Tiro" (1607-1608), "O Conto do Inverno" (1609-1611), "Cimbeline, Rei da Britânia" (1610), "A tempestade" (1611) e "Henrique VIII" (1613). Outra particularidade dela é ter sido escrita em colaboração, no caso com John Fletcher, sujeito que o substituiria à frente dos negócios da King's Men. Sabe-se com certeza que a peca foi encenada em Blackfriers, em 1634. Bueno. Eu sabia vagamente algo do enredo desta peça, mas a conhecia por um outro título: "Os dois nobres parentes", como foi traduzida e publicada anteriormente (isso me causou um leve aborrecimento com uma tonta que atendeu-me na boa Livraria da Vila paulistana, mas essa é outra história). José Roberto O'Shea, respeitado tradutor, membro da távola haroldina, hoje professor da UFSC e responsável por esta nova versão, optou por explicitar o parentesco do título. Trata-se de uma tragicomédia, inspirada em um dos "Contos da Cantuaria", de Geoffrey Chaucer.  Alternam-se e se entrelaçam duas histórias: uma é uma narrativa medieval, de amor cavalheiresco, na qual dois homens, Arcite e Palamon, grandes amigos, os tais  primos do título, se apaixonam por uma mesma mulher, Emilia, irmã da amazona e rainha, Hipólita, senhora de Atenas. Os primos tornam-se rivais absolutos, a ponto de Teseu, senhor de Atenas, promover um combate entre ambos para decidir qual dos dois mereceria casar-se com a jovem. A segunda narrativa é a de uma jovem, filha do carcereiro que teve sob seus cuidados Arcite e Palamon. Essa jovem se apaixona até a loucura por Palomon, o ajuda a fugir da prisão, condenando o próprio pai com esse ato. O método da loucura dessa personagem lembra o de Ofélia, no Hamlet.  Os cinco atos da peça, que num curto prólogo diz-se poder ser encenada em duas horas, são bastante movimentados, fáceis de ler, muito embora, sejamos hoje cínicos demais para aceitar como corriqueiro e normal o comportamento moral dos dois jovens, que de amigos tornam-se rivais por um amor impossível e a loucura por amor da filha do carcereiro. Todavia os deuses do teatro são poderosos, a magia da encenação e o encantamento provocado pelos versos transportam o espectador para um mundo onde tudo é possível e válido. O'Shea acrescenta um conjunto robusto de notas ao texto traduzido. Elas ajudam o leitor a entender as passagens mais crípticas da peça. Ele justifica seus procedimentos tradutórios (versos decassílabos e partes em prosa), elenca suas fontes, orienta as interpretações possíveis que o leitor pode fazer. Cabe registrar que essa a quinta empreitada de tradução de Shakespeare de O'Shea (ele já traduziu "Antônio e Cleópatra", "Péricles, príncipe de Tiro", "O Conto do Inverno", "Cimbeline, Rei da Britânia" e "Hamlet"). Preparando-me para escrever esse registro encontrei informações sobre a Folger Shakespeare Library, biblioteca/santuário daqueles que pesquisam sobre Shakespeare. Don O'Shea deve ter se divertido um bocado por lá. A edição inclui uma bela introdução, assinada por Marlene Soares dos Santos. Em tempo: No curto epílogo que encerra a peça os autores perguntam se o conto foi bem contado, se contentou o espectador. Esse leitor, que fechou satisfeito o livro, responderia que sim, lá do escuro do teatro, ainda enfeitiçado. Vale!
Registro #1237 (drama #11)
[início: 26/10/2017 - fim: 31/10/2017]
"Os dois primos nobres", William Shakespeare e John Fletcher, tradução de José Roberto O'Shea, São Paulo: Editora Iluminuras, 1a. edição (2017), brochura 15x23 cm., 200 págs., ISBN: 978-85-7321-560-1 [edição original: The two noble kinsmen (1613-1614) in-quarto 1634; (New York: Simon & Schuster's Washington Square Press) Folger Shakespeare Library, Barbara A. Mowat e Paul Werstine, editors, 1989]

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