terça-feira, 19 de dezembro de 2017

antologia da poesia clássica chinesa

No 19 de dezembro do ano passado, funesto dia, morreu doña Victória Medici Severino, minha mãe. Era fim de primavera e ela, como as flores que amava, sempre prática, porém cansada, não quis suportar as intermitências de mais um abrasivo verão. Em uma das viagens que fiz a São Paulo para vê-la, nos dias que antecederam sua morte, comprei esse "Antologia da poesia clássica chinesa". Assim como fiz com a antologia de poemas do Sebald, que comprei na mesma época, fui lendo esses poemas aos poucos, numa ração diária, aleatória, que acontecia quando chegava em casa, ainda aborrecido com o rumor e a indigência das ruas. Doña Vic, não nasceu chinesa, nem zen, era brasileira e católica, mas viveu seus quase 87 anos serena, rodeada de flores, propagando carinho e gentilezas, como só algumas pessoas alcançam aprender a fazer. Os 204 poemas reunidos nessa antologia foram vertidos para o português por Ricardo Primo Portugal e Tan Xao, patrocinados pelo Instituto Confúcio, organização que promove a língua e cultura chinesa. Há pelo menos dez institutos Confúcio instalados no Brasil, sediados junto a instituições de ensino superior. No caso desse volume, os tradutores contaram com o apoio do Instituto Confúcio na UNESP.  São 34 os autores reunidos na antologia, viventes do período conhecido por Dinastia Tang, entre 618 e 907. Os tradutores lembram que Haroldo de Campos louvava a poesia deste período por sua "concisão, aforismático vigor, plasticidade visual, sustentada surpresa e sentimento de inacabado". Ele mesmo foi artífice de transcrições de poemas deste período, num volume precioso, o "Escrito sobre Jade", de 1996. A maior parte dos poemas reunidos nessa antologia foram criados nas métricas conhecidas como octetos regulares e quartetos regulares, mas também estão incluídos poemas que seguem um estilo mais antigo, da dinastia anterior, Han, algo mais eruditos, associados a canções populares. Pode-se dizer que esses poemas foram engendrados em versos livres, mas os tradutores lembram aquele aforismo de Eliot, que diz "nenhum verso é livre para aquele poeta que quer fazer um bom trabalho". O livro inclui uma longa introdução, assinada pelos tradutores, na qual dão conta dos elementos estruturais da poesia clássica chinesa; seus estilos, formas e metrificação; aspectos semântico-lexicais; regras de transliteração; bem como algo sobre a história da China e da Dinastia Tang. Dos 34 autores os mais conhecidos e seminais, segundo os tradutores, são Lu Bai, Du Fu, Meng Haoran, Wang Wei e Ban Juyi. Os poemas são acompanhados de notas, que falam da geografia chinesa, de aspectos mitológicos, questões religiosas, feitos bélicos (decorrentes das contínuas guerras entre os povos chineses nos séculos VII, VIII, IX e X.), questões semânticas e metafóricas (associadas aos procedimentos tradutórios), atentam às imagens criadas, à historia taoista. Os autores ganham uma pequena biografia, onde restam contextualizas obra e vida de cada um. Muitos eram funcionários públicos da sempre imensa burocracia chinesa, outros monges budistas, iluminados, em contínua reclusão, outros ainda, artistas completos, que também pintavam, dominavam a música e a caligrafia. Os poemas cantam os picos sagrados do taoísmo, celebram a placidez da águas dos lagos, festejam a chegada da lua cheia, falam de gansos e corvos, da vida campestre e das paisagens, dos salgueiros e do jade, das peônias e do lótus, do vento que sopra, dos sonhos e dos desejos, louvam a contemplação, o silêncio, os gestos medidos, fixam em versos as cores e a força que emana das mudanças de estação. O leitor curioso pode acompanhar algo do livro num curto vídeo feito quando do lançamento, em 2013: clica!. Enfim, dos 204 poemas da antologia transcrevo apenas um, de Zhang Jiuling: "Depois, senhora, que partiste, / nada mais cuido a esta vida. / Mudei, como a cheia lua: / cada noite diminuo." Boa noite doña Vic, que, em seu voo, os anjos continuem a cantar para teu descanso. 
Registro #1249 (poesia #90)
[início: 19/12/2016 - fim: 19/12/2017]
"Antologia da poesia clássica chinesa - Dinastia Tang", Ricardo Primo Portugal e Tan Xao (organizadores), São Paulo: Editora UNESP, 1a. edição (2013), capa-dura 16,5x24 cm., 310 págs., ISBN: 978-85-393-0399-1

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